
Geografia dos unicórnios
No final do século XIX, Alfred Marshall cunhou a noção de “economias de aglomeração” (que associamos a “clusters”). Marshall descreveu o fenómeno em que, quando uma região ganha uma posição de relevo, cada atividade adicional é atraída para o mesmo local por rendimentos crescentes (cada nova empresa tem mais vantagem em localizar-se neste ponto geográfico). É mais fácil fazer negócios e recrutar quando os fornecedores, clientes e pools de talentos estão próximos. As ideias fluem mais facilmente quando os colaboradores e funcionários de empresas concorrentes frequentam os mesmos bares (e, para já, a ascensão do trabalho remoto não parece ter quebrado essa lógica).
O primeiro fator crítico para um cluster de sucesso é a existência de uma pool de talentos (por exemplo, Silicon Valley, Tel Aviv, Londres, entre outras, têm universidades de topo que fornecem talentos). No entanto, o talento por si só não é suficiente – a cultura também é importante. Veja-se o caso de Tóquio que, apesar da sua dimensão, tem tido dificuldades para criar um “hub” de startups (a predominância de conglomerados japoneses, muito avessos ao risco e com gestão conservadora, parece ser parte da razão). Isto sugere-nos o segundo fator crítico: abertura para pessoas e ideias. Os migrantes são um grupo desproporcionalmente empreendedor.
Cerca de 60% das empresas de tecnologia mais valiosas dos EUA foram iniciadas por imigrantes. Centros europeus como Berlim, Londres e Paris têm grandes populações de imigrantes. Bangalore ilustra como o talento e a abertura se combinam para criar a magia das startups. O gosto da cidade pela tecnologia de ponta remonta a 1905, quando o marajá local desviou um fornecimento de energia hidroelétrica, criando a primeira cidade da Ásia com eletricidade. Quatro anos depois construiu o Indian Institute of Science, hoje uma das universidades com maior prestígio no país. Os migrantes representam mais da metade de sua população, que está conectada ao mundo há muito tempo – em 1985, a Texas Instruments escolheu a cidade para fixar o seu primeiro escritório regional. Quando a economia da Índia “abriu”, em 1991, a cidade era o lugar natural para empresas e capitais estrangeiros se fixarem.
O que nos leva ao terceiro ingrediente: a presença de capital de risco. Para uma empresa prosperar, ela precisa de financiadores que entendam o ecossistema e estejam dispostos a alimentá-lo. Podem ser ex-fundadores de startups que, na geração seguinte, se tornam investidores-anjo, ou sociedades de capital de risco. A questão é se será possível replicar esta dinâmica em Leiria? Cada vez mais a cidade atrai migrantes e o talento parece mais disponível (embora ainda insuficiente). A cultura é (apenas) parcialmente aberta, mas propensa ao risco (dada a história da cidade). Por outro lado, se o “capital de semente” tem prosperado em Portugal, os investidores de Leiria procuram ainda investimentos mais tradicionais.Este seria o momento ideal para uma política industrial mais assertiva, que tivesse como objetivo a matriz económica do país, mas no meio das boas notícias, de que tanto precisamos, parece que vamos mais uma vez falhar uma oportunidade, permanecendo como sempre, algures entre o céu e o inferno (económico).